No princípio era a fome.
E a fome foi inventora de mil e umas histórias de criatividade, de subsistência, de arrepio, de alegria, de esforço. De agradecimento pela dádiva do alimento. Das simples bagas recolhidas nos arbustos, no longínquo outrora, às refeições de fine dinning servidas num qualquer restaurante da moda de hoje vai um passo grande no tempo. É nesse prolongado momento de evolução que nasce a gastronomia e essa é uma história que se faz de pequenas histórias onde cabem a invenção, a descoberta, o aproveitamento, a conservação, o acrescento, a redução, sempre numa tentativa de fuga à fome. Descobrir tudo isso é quase tão saboroso como saborear as próprias receitas.
Por isso, quando falamos de gastronomia nunca falamos a preto e branco e sem emoção. Realçamos a cor, o aroma, a textura, o sabor. Falamos de como nos encheu o estômago a e alma, de como rimos com a conversa ou como chorámos com a confissão. A mesa é rica de sabor e de sentimento. Falar de gastronomia é muito mais do que dizer “é bom”, “é típico”, “é regional”. Há que comunicar as suas caraterísticas e singularidades, todos os pontos que se acrescentam ao conto da narrativa alimentar.
Comunicar a nossa gastronomia é muito importante.
Mais, saber comunicar a nossa gastronomia é fundamental, sobretudo, neste momento em que, nos principais centros urbanos, se sente por parte dos turistas uma busca pelas tradições alimentares como espelho de identidades maiores. E é bom perceber que muito do fluxo turístico que visita Portugal não pretende uma oferta massificada onde cada visitante se sinta mais um entre tantos, mas quer descobrir o âmago da nossa identidade transformada em exotismo. E, se é certo que numa primeira abordagem os turistas ficarão convencidos pelo sabor e pela apresentação para além da comunicação, se queremos fidelizar e aguçar o apetite de modo a deslocar o movimento turístico para o interior temos de ser inventivos, criativos e, sobretudo, usar os recursos corretos. Neste contexto, há que incentivar os ativos que diretamente desempenham funções na ampla e vasta área do turismo a adquirirem ferramentas no âmbito das línguas. Portugal irá beneficiar se o investimento pessoal conduzir a um aperfeiçoamento na destreza nas principais línguas estrangeiras.
Tal não deverá ser um propósito apenas do público mais jovem, mas deve ser alargado a todos que lidam com turistas. Há que aprender as bases, aperfeiçoar a conversação, adquirir vocabulário especializado. Se não capacitarmos os recursos humanos no domínio das línguas estrangeiras sabemos que a mensagem ficará pela metade. O estômago ficará preenchido, mas não o conhecimento acerca da geografia gastronómica nem do património imaterial. E é aí que vamos fidelizar. Ir ao território é conhecer o sabor em pleno numa palavra, num sorriso, num gesto de quem nos recebe.
O público informado e cosmopolita que nos visita não quer ser tratado como os turistas que nos visitavam nos anos 90.
Querem profissionalismo, pois o paternalismo que os caraterizava do Portugal “pobre, mas esforçado” já não lhes diz nada. E nós se queremos fugir ao epíteto de “destino de passagem” temos de saber cativar, falar-lhes ao coração. E é certo que a nossa gastronomia é convincente, mas temos de ser capazes de lhes transmitir a relação dos nossos produtos e receituário locais com o território, com as tradições, com as práticas agrícolas, com as artes culinárias, com as histórias dos protagonistas, com o património. Para isso, temos os fazer sentir em casa, dar-lhes conforto.
E, por experiência própria, sabemos que a língua é a nossa pátria. Por isso, que tal dar aos nossos visitantes um pouco do conforto da língua mãe? Mátria despida de distância que aconchega a saudade, a língua irá permitir a linguagem do coração, pois que a história entre as comunidades e a gastronomia portuguesa é feita de paixões que seduzem quem as conhece.
Vamos falar ao coração de quem nos visita?
Drª. Olga Cavaleiro
Presidente da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas
Presidente da Confraria da Doçaria Conventual de Tentúgal
Sócia Gerente das Pastelarias Afonso – Tentúgal e Coimbra